domingo, 27 de julho de 2014

AÇÃO DOS INADOTÁVEIS - Para o Estado, a culpa é da vítima

 
  Dentre as impropriedades e ilegalidades levantadas pelo Estado como defesa de sua atuação ao condenar a criança ao isolamento definitivo, foi igualmente alegada em desfavor do jovem a condição de abalo psicológico na qual este chegou ao abrigamento. Culpou a vítima.
  Explica-se: a criança, ao tempo de seu abrigamento em 2004, possuía convívio familiar com membro de sua família biológica. Entretanto, esta criança era vítima de reiterados e graves abusos, estes de gravidade tal que, finalmente, o levaram ao abrigamento!
  Por óbvio que uma criança que sofra diuturnamente abusos da mais condenável natureza apresentará quadro transitório de grave abalo psicológico, devendo ser submetida a tratamento para que se lhe possa reverter os traumas adquiridos a ponto de a criança poder ter uma vida normal. Entretanto, não é o que entende o Estado.
  
 Para esta entidade, a criança que apresenta quadro de trauma psicológico e condições transitórias de abalo emocional é responsável por sua condição e deve ser punida por isso com o isolamento compulsório e definitivo. É o que declara o ente estatal, afirmando que o jovem:

"(ii) apresenta quadros significativos de depressão, (iii) é criança de difícil convivência, (iv) é agressivo, (v) passa por tratamento psiquiátrico, (vi) tentou o suicídio duas vezes, (vii) não tem condição de sair do abrigamento..."

  Porém, todas estas condições foram apontadas no laudo elaborado em 2004 (!), ou seja, oriundo do momento do abrigamento da criança, quando havia sido recém resgatada da condição de abuso; jamais foi feita a reavaliação da criança nos 10 anos (!) subsequentes. Pior do que isso: o laudo fora confeccionado por assistente social, e não por médico psiquiatra, psicólogo ou outro profissional da área médica apto a lhe imputar as condições de saúde alegadas(!!). A criança foi condenada ao abrigamento por conta de suas (presumível - não provadas) condições psicológicas transitórias que constaram em laudo, causadas pelos traumas do abuso, os quais ocorreram  antes da criança ser abrigada; foi desconsiderada toda e qualquer eventual melhora oriunda dos tratamentos a que foi submetida, do carinho que recebeu na instituição e o comportamento posterior. O que o Estado fez foi utilizar o trauma e a situação de risco a que a criança estava exposta contra ela mesma, impedindo a obtenção de família substitutiva.
  O ato do Estado em assim agir igualmente viola a letra expressa do Estatuto da Criança e do Adolescente, que afirma, de forma isenta de dúvidas, que a criança abrigada deve ter sua situação reavaliada em, no máximo, cada 6 meses:
"Toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses, devendo a autoridade judiciária competente, com base em relatório elaborado por equipe interprofissional ou multidisciplinar, decidir de forma fundamentada pela possibilidade de reintegração familiar ou colocação em família substituta, em quaisquer das modalidades previstas no art. 28 desta Lei." (art. 19, §1º, do ECA)
  A situação da criança, no entanto, jamais foi reavaliada (em 10 longos anos) depois de seu abrigamento. Do contrário, a juíza que cuidou do caso decidiu por simplesmente arquivar o processo do jovem, em total desrespeito à garantia da Lei, conforme já visto.
  Assim foi decidido:

  "Observo que o jovem Xxxx Xxxx xx Xxx Xxxx está sendo assistido nos seus direitos fundamentais pela entidade de abrigo. Não havendo outros encaminhamentos para serem aplicados ao presente caso, haja vista a impossibilidade de reintegração familiar, recolham-se os autos no arquivo provisório até o surgimento de novos fatos ou a maioridade civil seja alcançada"

  Novos fatos? E a reavaliação compulsória da situação da criança a cada 6 meses? E a condição provisória e não definitiva do abrigamento definida por lei? E a destituição do poder familiar, igualmente mandamental nos casos de impossibilidade de reinserção da criança no poder familiar?

   Nada disso foi respeitado.

  CONTINUA.
  

quarta-feira, 16 de julho de 2014

AÇÃO DOS INADOTÁVEIS - Discriminação contra portador de HIV e doentes de Aids é crime!!

  
  Quando da sua defesa, o Estado do Paraná pontuou causas que, supostamente, seriam condições suficientes de impedir a adoção da criança.
   Transcrevemos quatro trechos em que o Estado afirmou que a criança:

   "...não perdeu a chance de ser adotado. XXXXX nunca teve condições de ser adotado!"

   "...não teria condições de sair do abrigamento na Associação Paranaense Alegria de Viver (APAV). Ou seja, o melhor para XXXXX era permanecer na APAV."

   "(ii) tinha/tem grave doença..."

    Afirmou ainda que:

   "O Estado não pode ser obrigado a “presentear” o Autor porque ele não reunia condições para ser adotado."

  Em que pese sejam todas as causas apontadas pelo Estado, em maior ou menor grau, discriminatórias e ilegais (pois em nenhum momento a Lei apresenta tais casos como elementos extintivos do direito à adoção), uma em especial gera repugnância: a afirmação de que a criança era aidética.
  Apenas para iniciar, esta afirmação viola todo e qualquer princípio de direitos humanos, joga por terra o caput do artigo 5º da Constituição Federal (que prevê a igualdade entre todos os indivíduos), desconsidera toda e qualquer base científica calçada na moderna literatura médica e fere frontalmente os direitos basilares inscritos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
  Mas, ainda de forma pior, a discriminação do indivíduo portador do vírus HIV e do doente de Aids viola direta e frontalmente a Declaração dos Direitos Fundamentais da Pessoa Portadora do Vírus da Aids, que prevê, dentre outras disposições, que:

V - Ninguém tem o direito de restringir a liberdade ou os direitos das pessoas pelo único motivo de serem portadoras do HIV/aids, qualquer que seja sua raça, nacionalidade, religião, sexo ou orientação sexual.

  Assim, a restrição de inscrição da criança em fila de adoção pelo singelo motivo de esta ser portadora do vírus HIV é inegavelmente discriminatória, contrária ao direito tanto quanto as execráveis práticas de racismo, homofobia, xenofobia e outras formas de discriminação congêneres. Também dispõe a Declaração que:

XI - Toda pessoa com HIV/aids tem direito à continuação de sua vida civil, profissional, sexual e afetiva. Nenhuma ação poderá restringir seus direitos completos à cidadania.

  Isto apenas reforça que a vida civil e seus direitos, dentre eles o convívio familiar, não se obsta pela condição de portador de vírus HIV! No caso da criança, foi justamente isto que ocorreu: fora confessamente privada do direito à obtenção de convívio familiar por sua especial condição de portador do vírus HIV! E o pior: esta discriminação partiu do próprio Estado!!! A maior violência sofrida pela criança veio justamente daquela entidade que deveria lhe proteger, que deveria fazer cumprir as Leis em seu favor enquanto indivíduo dependente da proteção do Estado!!!

  O Estado, ao defender que ser portador de HIV fez do menor excluído/impedido para exercício do convívio familiar, praticou discriminação medieval, análoga a toda e qualquer forma de racismo ou homofobia, identicamente execrados pela Lei e que, há muito, deveriam ter sido exterminados da sociedade.

  Não é para menos que, em 03 de junho de 2014, houve a edição da Lei 12.984/2014, a qual criminalizou a discriminação contra portadores do vírus HIV e doentes de Aids, passando a prática a ser punível com 1 a 4 anos de prisão!!

   O que se conclui é que o Estado comete crime para "justificar" sua inoperância, na forma de um descumprimento da Lei vergonhoso e abjeto. A entidade estatal, que deveria ser a responsável pelo cumprimento das mais elementares disposições legais, foi a primeira a violá-la, a contradizer o ordenamento jurídico e dolosamente prejudicar a criança sob sua guarda.

CONTINUA...

     

sexta-feira, 4 de julho de 2014

AÇÃO DOS INADOTÁVEIS - A resposta do Estado, o preconceito e algumas coisas mais


  






 "A opressão nunca conseguiu suprimir nas pessoas o desejo de viver em liberdade" (Dalai Lama)




   No dia 22 de março do presente ano o MONACI publicou matéria sobre a ação dos inadotáveis em que noticiava a revelia do Estado do Paraná, conforme se vê neste link.
   Nos equivocamos.


   A 1ª Vara da Fazenda Pública de Curitiba, em sua alteração de localidade, suspendeu todos os prazos processuais até se reorganizar, o que terminou por elastecer o prazo do Estado para resposta.
  O Estado contestou, e o que veio como resposta é um disparate tão grande e tão assombroso que publicaremos, por partes, para que se torne ainda mais escancarado aos olhos do público o caráter institucionalizado do preconceito, abandono e displicência direcionados ao menor abrigado.
   
    A contestação do Estado do Paraná foi apresentada em 14 de abril de 2014, contém 48 laudas, possui 15 itens contestatórios e uma verdadeira torrente de distorções, inverdades e preconceitos.

    Passamos a apresentar o seu conteúdo, retirando os nomes das partes envolvidas a fim de preservar a identidade dos indivíduos, bem como acrescentamos os grifos pertinentes.

    Recapitulando os elementos do processo, lembramos que o Autor da demanda hoje é maior de idade, ficou de 2003 até 2014 na instituição de abrigamento APAV, nunca fora destituído do poder familiar nem mesmo foi colocado em fila de adoção ou inscrito no CNA.

     A ação foi aforada em 17 de novembro de 2013, conforme publicamos no blog do MONACI à época. Postulamos indenização pelos danos morais sofridos pelo jovem, pois eram expressas e inequívocas as violações ao ECA e à Constituição da República, perpetradas pelo Estado, e que culminaram na perda permanente de possibilidade de adoção pelo jovem.

      Para a nossa surpresa, entretanto, a contestação à ação apresentada pela Procuradoria do Estado do Paraná, em si, é tão preconceituosa que, por si só, gera danos morais!

       Logo no começo da peça de defesa, assim se manifestou o Procurador do Estado:

     "3.3.1 Nos autos do processo, há relatório da assistente social da Equipe Técnica da Xª Vara da Infância e Juventude que atesta que o SR. XXXXXXX (i) é portador do vírus HIV, (ii) apresenta quadros significativos de depressão, (iii) é criança de difícil convivência, (iv) é agressivo, (v) passa por tratamento psiquiátrico, (vi) tentou o suicídio duas vezes, (vii) não tem condição de sair do abrigamento na APAV." (grifos nossos).

      O Estado, como sua defesa, começou por desqualificar o jovem por ser portador de vírus HIV e por estar em situação de extrema fragilidade emocional logo após ter sido trazido ao abrigo!!!

       
Não houve a sensibilidade para se identificar que foi justamente por estar sem condições que o jovem precisava ser submetido a especial cuidado e assistência, que precisava ter priorizada a sua reinserção dentro de uma família, que precisava de apoio e de afeto para superar a situação que lhe foi imposta por repetitivos abusos, que precisava, efetivamente, da materialização dos direitos garantidos na Lei.

      Além do mais, ser portador de HIV não é impeditivo para ser adotado, para ser destituído de uma família que lhe causava abusos das mais execráveis formas, para ser amado por uma mãe e um pai substitutos. Ser portador de HIV não faz do jovem um ser humano pior, de segunda classe, inferior, indigno, não merecedor de seus direitos fundamentais!!! Discriminar o jovem, na qualidade de ser humano, por ser portador de vírus HIV, viola o mais basilar dos Direitos Humanos!!! Envergonha todo o ordenamento jurídico pátrio, desconstrói todas as normas de proteção à Criança e à Juventude e vai de forma contrária às cláusulas gerais de não-retrocesso do direito!!!

      Reiteramos: o jovem foi abrigado em 2003!!! Em 2005, no entanto, depois de o jovem ficar 2 anos recolhido em um abrigo tendo ignorados os seus direitos a destituição do poder familiar e inscrição em fila de adoção, para que pudesse ter a oportunidade de ser adotado, o juízo assim determinou em seu processo de abrigamento:
 
“(...) Estando Xxxx protegido na entidade que o acolhe e sem  perspectiva de reintegração familiar, determino o arquivamento do feito. 
 
Anote-se 
 
Ciente o M. P. 
 
Em 10.03.05 
 
Xxxxx Xxxxxx Xxxxxx Xxxxxx 
Juíza de Direito”
      
     A Juíza do processo afirmou, categoricamente, que estava arquivado o feito, sem respeitar todos os direitos a que fazia jus a então criança...

CONTINUA!   

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